Me cansa um pouco essa tendência de alguns nichos entusiastas de um estudo espiritual, aquela mania de tentar se transformar em um "ser de luz", o que já me remete a pitadas de cristianismo (nada contra), porque a ideia de "ser de luz" seria alguém bondoso, com compaixão, que brilha, ilumina o ambiente. Nada mau, não é? Mas o que é isso senão a imagem construída de Jesus, um homem tão perfeito que não podia nem ter esposa? E nessa esquecem de coisas simples, como não julgar inferior alguém que não está na mesma busca, não criar uma hierarquia espiritual ("nós, que estamos mais evoluídos, temos que.........") ou, sei lá - não acendam as tochas ainda - amar os próprios defeitos? Se aceitar, como humanos? Talvez entender que uma vida comum (com esposa e tudo!) não torne ninguém menos ~evoluído?
Eu amo a sombra. Quando tem sombra de noite é porque a Lua tá cheia! Na sombra nos conectamos com nosso verdadeiro eu, o que gostamos e o que gostaríamos de esconder, na sombra está aquilo que é sutil, secreto, palpável, me lembra até uma frase muito bonita do meu irmão (Felipe Bello, autoria aqui haha): "De dia o trovão assusta, de noite ele ilumina". O que quero dizer nisso? Que tudo tem uma função, mesmo aquilo que não identificamos de começo, e isso também diz respeito aos nossos sentimentos, inclusive os que muitos tentam abafar por não considerarem "ser de luz". O medo é horrível, mas pode salvar minha vida. A raiva é perigosa, mas impulsiona. A tristeza é dolorida, mas também ensina. Não tem porque odiar essas nuances ou querer tirá-las de mim porque são sentimentos "negativos".
Outra coisa que eu noto muito por aí. Jogo runas, é um dos meus oráculos preferidos, me sinto muito integrada com meus guias quando sacudo as pedrinhas (feitas por mim) na sacola. Também jogo profissionalmente, num valor ínfimo (costumo cobrar vinte reais), e já fui criticada por isso mais de uma vez. Dizem que eu deveria cobrar mais para valorizar o produto porque, se eu for barateira, vão achar que não sei o que estou fazendo. Ora, vejam bem, não estou aqui para convencer ninguém, não preciso encarecer meu trabalho para buscar clientes porque eu não preciso de clientes, não é minha intenção e, se uma pessoa precisa pagar caro para valorizar o que eu faço, talvez não seja ela quem eu precise atingir. Nada contra que as pessoas cobrem o preço que quiserem nas coisas que fazem, isso é um direito de quem dispõe a mão de obra, mas não é isso que me trará credibilidade.
E aí eu paro e olho para os lados, o que me trará credibilidade no meio, se é que eu preciso disso? Então observo e reconheço alguns padrões dentre a maioria (sem generalizações aqui) das pessoas que falam nesses assuntos: o tom de voz sereno, as frases de superação, a insistência em olhar para o lado bom da vida (e só para ele ou estará atraindo pensamentos negativos). Gosto de pensar que as pessoas são assim porque estão confortáveis consigo mesmas, se sentem realmente serenas e prontas para o futuro, mas isso passa uma imagem de que pessoas que estão envolvidas no auto-conhecimento e espiritualidades em geral são bem-resolvidas, felizes para caramba e nada derruba elas, e isso é uma inverdade. Todos nós somos passíveis de encontrarmos a tristeza e, principalmente, a loucura. Estamos num mundo onde todo mundo flerta com a loucura constantemente, euzinha, numa escolha pessoal, prefiro abraçar minha loucura do que fingir que ela não existe (não que eu tenha muita escolha). Acho que isso é mais realista com o mundo em que vivo, onde não somos iguais, mesmo que cada um de nós tenha uma existência que merecia mais, nós não somos iguais e não é esse o problema, o problema é que, dependendo de quem somos, o mundo se relaciona diferente conosco, nós nunca podemos esquecer isso ou a nossa espiritualidade tá girando só em torno do nosso umbigo, e isso é prejudicial, passa para as pessoas ideias irreais
Tive minha época de tentar só ser feliz. Ter paciência, sempre buscar ajudar os outros, fazer de tudo para que gostem de mim e achava que isso era me lapidar espiritualmente. Quando a vida apertou, quebrei, lembrei que isso era uma farsa e, pior, tinha gente que contava comigo para manter a máscara no lugar. Essa é uma das minhas histórias de vida, não necessariamente é a de todo mundo que se encaixa no que eu falei, sei disso mas, curiosamente, também é essa máscara que muitos sentem falta para confiarem em mim com as runas. "Como posso jogar runas com ela se ela não é serena, com tom de voz complacente e aspecto bondoso?" Pois bem, não sou e não serei, assim como meus guias não são seres de luz e nem por isso são menos sábios e admiráveis. Sou cinza, bem cinzinha, não me acho pior e nem melhor do que ninguém, não ataco mas não dou a outra face, não sou cruel mas conheço meu lado monstro e, felizmente, sei que tenho muito, muito, muito a aprender. Espiritualmente? Demais, mas, principalmente, sobre o mundo físico e sua sociedade desigual. Com tanta injustiça nesse mundo, melhor deixar minha parte "serena" para o pós-morte.
O que eu quero com tudo isso é lembrar de que muito mais importante do que "manter os pensamentos positivos para, enfim, encontrar o sucesso" é lembrar que o sucesso é muito mais fácil para uns do que para outros, de acordo com classe social, etnia, gênero, sexualidade etc, lembrar que mais importante do que conseguir um sucesso (geralmente atrelado com dinheiro) é fazer algo de bom com isso, algo que facilite o caminho para os que vierem depois, é usar o sucesso para diminuir um pouco as injustiças do mundo, sabendo que nós também não somos super-heróis, não dá para, individualmente, vencer um sistema estrutural, mas dá para não ignorá-lo, não fingir que inexiste porque "eu só lido com o astral".
No âmbito pessoal cada um lida com o que quiser, não tô aqui para decidir por ninguém, só que se você se coloca em uma posição de "autoridade espiritual" (francamente, isso é ridículo), é contraditório que não fale de direitos humanos, de direito à moradia, alimentação saudável, dignidade de vida, isso não é política, isso é espiritualidade! É reconhecer que toda pessoa no planeta deveria ter o básico para uma vida digna, é reconhecer que isso não acontece. Podemos falar disso com o olhar sereno e o tom de voz complacente, se vocês preferem, mas que não deixe de ser falado, que essas questões não percam sua importância para dar lugar ao "sua vida está ruim porque você não está mentalizando direito". Aproveitem essa credibilidade aí, meu povo!
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