De sábado para domingo dormi no hospital, minha mãe estava sofrendo muito e preferiu ir para lá. Domingo de manhã voltamos para casa, mas hoje, logo após a terapia, voltamos para lá com a notícia na mente, ela está partindo.
Foi um luto de dois anos. Foi um luto mesmo quando eu via ela, durante a quimioterapia, pintar DOIS muros e andar diariamente 5 da manhã na praia durante 10km.
Eu sei que estou na fase "raiva" do luto e também sei que ela não é muito justa porque, verdade seja feita, desde o diagnóstico tivemos muitas e muitas histórias para aproveitar. Vivemos esses dois anos intensamente. O que não me tira da cabeça que ela tem apenas 61 anos, foi natureba a vida inteira, alimentação impecável, buscava se exercitar, enfim, eu não como arroz integral hoje porque minha mãe nos enjoou disso na infância, haha. É de ficar brava que ela esteja partindo tão cedo, embora eu tambéééém saiba que a morte não é questão de merecimento, ela só acontece, para minha mãe, para recém-nascidos, bebês, crianças, para pessoas horríveis e pessoas maravilhosas e, um dia, para mim também.
Desde criança penso nisso e, como meu apego por essa coroa teimosa é indescritível, sempre meio que torci em partir antes dela (o que é meio egoísta da mesma forma, porque ela não ia querer isso, mas eu era adolescente e adolescente tem direito de ser burro).
Eu amo a minha mãe e já esgotei as formas que conheço de falar isso. Escrevendo para vocês aleatórios e falando para ela, lúcida ou dormindo, antes ou agora. Depois de dois dias acompanhando ela no hospital, sofrendo sempre que acordada, estou cedendo o lugar para minha irmã que mora longe e está vindo, para minha irmã caçula, que talvez agora consiga um tempo para elaborar uma despedida, para meu pai, o último romântico e, em um campeonato injusto de sofrimento, com certeza o que vai mais sentir essa falta. Embora eu saiba que ele é capaz de seguir em frente, também é quem mais me preocupa, porque ele viveu uma felicidade a dois por muitos anos e agora vai ficar sozinho. Filha de romântico, romântica sou, então me compadeço.
E eu vou perder minha mãe. Aquela que eu reclamei por anos nesse blog, com ou sem razão, e que elogiei muito também, dessa vez sempre com razão. Minha mãe que nunca foi perfeita, só Mônica, que por acaso é minha mãe. Como ela sempre disse. A que abdicou do maior salário porque teria que alinhar com ideologias que ela era contra. A que, comigo na barriga, fez uma matéria com aqueles pilotos que desligam o avião lá em cima e mandou um "oh, tu não me mata que eu tô grávida". A que prendeu um pedófilo só com o poder da investigação; a que entrevistou mulheres trans para dar voz numa revista quando pouquíssimos faziam isso; a que me chamava para contar um segredo e arrotava na minha orelha. Também quem me passou o primeiro trote.
Minha mãe soube viver. Viveu como quis, aguentando críticas de todos os lados, e, embora certamente devesse ter olhado mais para si do que para os outros, também soube ser uma amiga incrível para os que tiveram estômago para se aprofundar por sua maneira de falar o que pensava e sentia. Mudou muito, evoluiu muito, sempre foi corajosa o suficiente para deixar de lado aquilo que já não fazia sentido.
Minha mãe vai morrer brava de estar morrendo, igualzinho o pai dela, Vô Darcy. Ela vai ter mais razão em seus sentimentos, porque vovô foi até uns 90 e tantos, mas sei que ela com 100 iria querer mais 10 anos e assim em diante. Acho que nada prepara para a morte? Pelo menos é o que penso hoje.
E, com certeza, nada prepara para a morte de alguém que a gente ama. Eu não sei o dia de amanhã, algo que, particularmente, não gosto. Não sei como a vida vai seguir agora, só sei que vai seguir, porque se tem algo que eu acredito é que a melhor forma de honrar os mortos é viver.
Até agora e até onde eu sei, o corpo da minha mãe ainda está entre nós, com ele algumas partes de sua mente, talvez o suficiente para se despedir das minhas irmãs e do meu pai. Eu vou conversar com ela após partir, com cuidado para não estragar as aventuras que quero acreditar que ela terá, mas o máximo que posso fazer agora é lembrar desse sentimento tão forte que nos une.
Te amo, mamãe. Parta tranquila, ficaremos bem.